domingo, 1 de agosto de 2010

You drove me

Naquela tarde morena, C. disse o tão esperado "sim" para A. Era uma espera aflita; quase mística. Na década de 70, toda espera era assim: aflita de revolução. Ao menos foi essa a história que me contaram anos depois do nascimento de F.

A barriga já não suportava o calor daquele ano. C. era linda, mesmo assim. A pele macia, corada de Sol, era inveja das mulheres da St. Clover. Os lábios carnudos, cheios de si e as curvas - e que curvas!, eram cúmplices de todos os desejos da St. Clover. Os maridos, ávidos por um pedaço de terra, sequer disfarçavam o desejo comedido.

C. acordou disposta a preparar um bolo. Ainda na cama, olhou para A. com ternura, beijou a pele branca e ajeitou a manta sobre o corpo quente. A. não notou a ausência de C., mas suspirou quando os lábios tocaram a sua testa. Era beijo de lar. Carinho transposto na pele. C. havia perdido o que restava de equilíbrio. No calendário da cozinha, os 9 meses pareciam uma eternidade a chegar. Abriu a geladeira e organizou sobre o balcão da cozinha cada um dos ingredientes. Numa metodologia única. Enquanto batia os ovos, o forno aquecia. C. distribuiu a massa por toda a forma; granulou com o toque de canela e finalizou com fatias de maça. O cheiro percorria a casa. A canela já não guardava mais o segredo tão bem e A. dispensou despertador. Já no forno, C. deixou de lado o pano de prato, tirou da testa o suor que o bolo a causara e foi embalada por Cry Me a River que tocava baixinho no rádio da sala. Amava aquela canção. Amava a sensação do primeiro encontro. E, com os olhos de dentro, trouxe da memória o beijo roubado de A.

Estava com o seu melhor vestido. As amigas todas exalando a busca por um marido. Era hormônio demais para um único baile. Apenas ela, tímida de tudo, não excitava por uma conquista. Queria mesmo correr o risco de pular a janela da casa dos pais e rodar uma noite inteira sozinha, longe de tudo que a julgasse indefesa, que a julgasse dona do lar. Como num filme de época, a jovem C. saltou pela janela e entrou no carro que lhe aguardava na esquina de casa. Suas amigas já estavam lá. Junto com N., o tímido e belo N. Ele paralisou diante da beleza de C. A tal ponto que as amigas notaram e riram do sapato de C., na busca de roubar a atenção.

- Ele não combina com suas meias, dizia uma delas.

C. notou o encantamento de N. e se deixou por seduzir. N. não bebia, não fumava, sequer rezava. N. sabia apenas admirar um belo traseiro, mas nada sabia fazer com aquilo. Já em frente ao baile, C. não excitou em saltar do carro, ganhando, assim, o título de saltadora mais delicinha da turma. As amigas não concordaram, mas se esqueceram tão logo viram os carros, os rapazes e as luzes. Sem que notasse, C. já estava com um copo nas mãos. Não identificava o gosto, mas gostava do que o gosto lhe causava. O corpo lhe dava malemolência ao som da noite. Dançava como nunca antes tinha se deixado dançar. Tudo girava mais do que suas próprias pernas. Tudo rodava até demais para o seu frágil estômago. Tudo era novo. Numa de suas voltas, um pouco mais descompassadas do que as demais, caiu nos braços de A. Naquele segundo, a banda deu entrada para a música da noite, o motivo de toda a história. Num desespero único, de quem não conhece os seus atos, e não controla os seus braços, C. resolveu se entregar por uma única música e A. embalou C. Era amor de mãos trocadas nas cinturas daquele baile. Come on! And cry me a river... e, antes que a música acabasse, antes que as mãos soltassem o quente do corpo, A. roubou de C. um beijo. Um beijo que fez o baile todo parar, que fez a banda arranhar o disco e que fez C. molhar os lábios. Foi aquele beijo, naquela noite, que a história toda começou.

Foi o cheiro da canela que também despertou C. Correu para o forno a fim de salvar todo o trabalho que tivera naquela manhã. E, antes mesmo que levasse o bolo à mesa, A. puxou C. para perto do seu corpo. E as curvas unidas, formavam um labirinto em que se perder era o segredo. A. não roubara apenas um beijo, mas sim o coração de C. E C. desejava como nunca antes a bela e ladra A. Jamais pagou o resgate.


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Miau

Eu amo de um jeito bicho, mansinho de gato. E de gato, me enrosco nas tuas pernas, te cuido felina e te sossego num dengo de amor só meu. ...