quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Era uma vez...

Olhos cerrados, as lágrimas escassas e a vida percorrendo a janela do seu quarto, dos muitos quartos daquele prédio.
Em seu criado-mudo apenas palavras sobreviventes da eternidade que já não se faziam graça aos sentidos da menina.

A seda que cedia ao sono de um tempo que ela conhecia por ser o tempo dela e de não mais ninguém. Não era verde, não era roxo, não era cor-nenhuma. O quarto cinza, a madeira velha, o espelho embaçado o bastante para enganar a menina que mudava, enganava, roubava, estragava os móveis daquele cinza-quarto-de-ninguém. Era o mundo que ela queria mudar, enganar, roubar e estragar e, de tanto querer, não queria mais.

Ventava forte naquela noite e seus pensamentos voavam perdidos para longe, bem longe. Faltava-lhe equilíbrio para alcançar a janela e culpava-se por não ter sapatilhas de bailarina. E como sobreviver ao frio da noite-vida? Encontrar a janela, mas não alcançar, não querer alcançar, ou queria, não sabia saber. Calculava a raiz quadrada de seus passos, e tirava a prova dos nove para garantir erro algum naquele tão precioso esforço de que nada valia. Fingia um equilíbrio que não conhecia. Apoiava-se nas cores mortas de um jardim que ali nunca existiu e contentava-se com aquela beleza morta de que nada coloria.
A jornada de uma vida inteira presa por não alcançar uma janela. Uma simples e maldita janela que ao nascer recusou o choro da criança-menina de outrora.
Nenhum sol mais girou naquela vida inteira até que ela ergueu-se lentamente e encontrou ali uma fresta para o velório de seu um dia quase-amor-perfeito.

A menina-mulher cerrou a janela,
os olhos,
os sonhos,
a alma.

Deixou cair o sorriso falso e não mais se encontrou.
Partiu dali.

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Miau

Eu amo de um jeito bicho, mansinho de gato. E de gato, me enrosco nas tuas pernas, te cuido felina e te sossego num dengo de amor só meu. ...