quinta-feira, 5 de agosto de 2010

[verborragia em dó maior]

.. e o sentido de cada uma delas tilintintando nas entrelinhas
nos desejos omitidos
na carência latente
na fuga delas mesmas.
sem pretérito perfeito.
apenas na vontade de rodopiar os muitos olhos
sedução gratuita na ponta dos pés
da bailarina.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

11pm

Frio nenhum vence jantinha no Mestiço com Ela. 
Passo a pensar com carinho numa taça de vinho 
como nunca antes imaginei sonhar. 

Quem sabe isso não seja sinal das primeiras rugas?

Brastemp

Hoje eu quero falar, eu preciso gritar e rasgar o verbo como quem limpa os dentes. É da sujeira e da validade. É, talvez, da falta de sabão em pó que me indigno toda e da mancha que não sai nunca.



..é secreta essa minha indignação, mas é lavável...como tudo o que é sujo.


E bota suja nisso, my darling!






Hoje a máquina funciona que é uma loucura. Lava e seca sozinha, como quem conhece a dona que tem e a quer limpinha para a missa de domingo. Uma gracinha, não?



Meu eu-lírico toma conta.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

meu cio

escrevo na ânsia de poder ouvir o que se esvazia em mim
e corre ralo abaixo,
na busca por outro corpo.

é assim que as palavras nascem.
secretas em meu ventre.

e do parto, 
criam rimas de cor-nenhuma.
no final,
quem parte ao meio
sou eu.

não é lindo? me inspiro toda.

Também eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não soube e digo
da palavra: não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto
Ana C.

domingo, 1 de agosto de 2010

You drove me

Naquela tarde morena, C. disse o tão esperado "sim" para A. Era uma espera aflita; quase mística. Na década de 70, toda espera era assim: aflita de revolução. Ao menos foi essa a história que me contaram anos depois do nascimento de F.

A barriga já não suportava o calor daquele ano. C. era linda, mesmo assim. A pele macia, corada de Sol, era inveja das mulheres da St. Clover. Os lábios carnudos, cheios de si e as curvas - e que curvas!, eram cúmplices de todos os desejos da St. Clover. Os maridos, ávidos por um pedaço de terra, sequer disfarçavam o desejo comedido.

C. acordou disposta a preparar um bolo. Ainda na cama, olhou para A. com ternura, beijou a pele branca e ajeitou a manta sobre o corpo quente. A. não notou a ausência de C., mas suspirou quando os lábios tocaram a sua testa. Era beijo de lar. Carinho transposto na pele. C. havia perdido o que restava de equilíbrio. No calendário da cozinha, os 9 meses pareciam uma eternidade a chegar. Abriu a geladeira e organizou sobre o balcão da cozinha cada um dos ingredientes. Numa metodologia única. Enquanto batia os ovos, o forno aquecia. C. distribuiu a massa por toda a forma; granulou com o toque de canela e finalizou com fatias de maça. O cheiro percorria a casa. A canela já não guardava mais o segredo tão bem e A. dispensou despertador. Já no forno, C. deixou de lado o pano de prato, tirou da testa o suor que o bolo a causara e foi embalada por Cry Me a River que tocava baixinho no rádio da sala. Amava aquela canção. Amava a sensação do primeiro encontro. E, com os olhos de dentro, trouxe da memória o beijo roubado de A.

Estava com o seu melhor vestido. As amigas todas exalando a busca por um marido. Era hormônio demais para um único baile. Apenas ela, tímida de tudo, não excitava por uma conquista. Queria mesmo correr o risco de pular a janela da casa dos pais e rodar uma noite inteira sozinha, longe de tudo que a julgasse indefesa, que a julgasse dona do lar. Como num filme de época, a jovem C. saltou pela janela e entrou no carro que lhe aguardava na esquina de casa. Suas amigas já estavam lá. Junto com N., o tímido e belo N. Ele paralisou diante da beleza de C. A tal ponto que as amigas notaram e riram do sapato de C., na busca de roubar a atenção.

- Ele não combina com suas meias, dizia uma delas.

C. notou o encantamento de N. e se deixou por seduzir. N. não bebia, não fumava, sequer rezava. N. sabia apenas admirar um belo traseiro, mas nada sabia fazer com aquilo. Já em frente ao baile, C. não excitou em saltar do carro, ganhando, assim, o título de saltadora mais delicinha da turma. As amigas não concordaram, mas se esqueceram tão logo viram os carros, os rapazes e as luzes. Sem que notasse, C. já estava com um copo nas mãos. Não identificava o gosto, mas gostava do que o gosto lhe causava. O corpo lhe dava malemolência ao som da noite. Dançava como nunca antes tinha se deixado dançar. Tudo girava mais do que suas próprias pernas. Tudo rodava até demais para o seu frágil estômago. Tudo era novo. Numa de suas voltas, um pouco mais descompassadas do que as demais, caiu nos braços de A. Naquele segundo, a banda deu entrada para a música da noite, o motivo de toda a história. Num desespero único, de quem não conhece os seus atos, e não controla os seus braços, C. resolveu se entregar por uma única música e A. embalou C. Era amor de mãos trocadas nas cinturas daquele baile. Come on! And cry me a river... e, antes que a música acabasse, antes que as mãos soltassem o quente do corpo, A. roubou de C. um beijo. Um beijo que fez o baile todo parar, que fez a banda arranhar o disco e que fez C. molhar os lábios. Foi aquele beijo, naquela noite, que a história toda começou.

Foi o cheiro da canela que também despertou C. Correu para o forno a fim de salvar todo o trabalho que tivera naquela manhã. E, antes mesmo que levasse o bolo à mesa, A. puxou C. para perto do seu corpo. E as curvas unidas, formavam um labirinto em que se perder era o segredo. A. não roubara apenas um beijo, mas sim o coração de C. E C. desejava como nunca antes a bela e ladra A. Jamais pagou o resgate.


meu dolorido colorido

amei por tantos anos Kandinsky. e me esqueci desse amor. era lindo. tudo era pra Ele. e nada pra mim. eu não me importava com o peso da balança, nem o preço do café. era adolescente demais pra isso e boba por seus rabiscos. não eram sutis. disso me recordo bem, naquela inveja ao mestre. lembro também da primeira vez que toquei uma esferográfica vermelha em papel branco. o tanto que sangrou, anunciou implícito o que ali em segredo se fez.  era tão inocente, mas já dispontava para o profano - esse, preso ainda nas vírgulas tortas na vontade de extrapolar por parágrafos inteiros. e nas horas santas, um altar para Ele. eu era mais da filosofia. amava os pensadores. e amava mais ainda quando eles tocavam a poesia. amava, na verdade, o toque de tudo isso.

saudades da menina que escrevia solta ao mundo, na barra da saia da mãe e nos olhos-coruja do pai. essa menina me visita sempre no outono dos anos bissextos e me lembra de mim. 

Começo nova leitura

A beleza importa em alto grau no que toca ao fato de a feiúra não poder ser sujada, e que a essência do erotismo é a sujeira. A humanidade, significativa da interdição, é transgredida no erotismo. Ela é transgredida, profanada, sujada. Quanto maior é a beleza, mais profunda é a sujeira. 

Georges Bataille

Miau

Eu amo de um jeito bicho, mansinho de gato. E de gato, me enrosco nas tuas pernas, te cuido felina e te sossego num dengo de amor só meu. ...