quinta-feira, 29 de abril de 2010

Eterno Retorno

Tenho crises. Tantas que me perco em cores. Combino vestidos em pano cru aos laços das saias soltas: me solto. E rodopio louca. Não paro nunca, nada me cansa o que sangra.

Em tantas, sei bem quem ama o que se quebra. O que se parte em dois, ou três. Estilhaços ao piso frio, pés que amam e coração em mim que rodopia. Não paro nunca, nada me cansa. Os pés que sangram.

E em voltas frouxas, anoiteço tonta. E não paro nunca.. artefato de análise pura, divã que ostenta o peso, anel de casamento. Engajo em meus contornos, enfeites que deixo, não abro. Transgressão tardia que violenta os desejos. E não os tenho, passo leve, deixo o ponto, perco a fuga, afasto o que rompe, rodopio louca. Não paro nunca, nada me cansa o que sangra.

E o que sangra é o que torna e não para, torna, e não para, torna e, por fim, distorna. Em mim. Não para nunca.

Tenho em mim o insatisfeito. E é de carne, carne que fere, levanta, carne que ama, desama, carne que sangra e não para nunca.

Esfrego o sangue que mancha a porcelana dos dentes, esfrego aflita como quem cansa ou ama. Como quem, em segredo, conhece o que finda a liberdade do que pendula o ventre. Mergulhos impensados em crises avulsas. Condenativas em teorias que transgridem. E é na dança, que escondo o que vejo em olhos que rodopiam. Queísmo inútil! Sou o que se tem desde o início, sou o vício que te afugenta, a carne que te alimenta, a curva que te enfeita, sou o que se foi, o que se é, o que (quem sabe?!) será de novo. Sou o que transita entre o verbo e a vírgula. E é por isso que te digo, baby:

- Não paro nunca, nada me cansa, nada me sangra.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Carta ao pai

Há dias que penso nele. Penso com carinho. É da barriga que mais sinto falta. Há tempos procuro a palavra e me toco contra a ausência. Retrato que mancha a parede do meu coração. E não sai. É tinta-sangue que tu me deu. Pensamento umbilical que cerca os olhos. Procuro na barriga, na refeição mal-sucedida ou no fracasso do fim do dia. É da barriga que mais sinto falta. E é na falta que tu me faz que mais me dói. Tua voz rouca e prolixa te faz por línguas estrangeiras. Sem cadência, apenas doçura. Sou tua filha. Teus anos, roubo pra mim. Te faço história minha em lembranças de todos os tamanhos.


Guria de tudo, já fui cria. E a ti na régua, tirava-me as noites de sono. Engenhava-me no sonho dos números. Mas tinha segredos. E teus segredos nasceram comigo. Eram das letras que mais me importava. Números perdiam a rima, somavam e dividiam. Não brincavam de ciranda. Era exato demais para mim. E eu, sempre várias, eu sempre em Pessoa, prendi-me nas letras soltas. E tu se rendeu àquilo. Me deu a benção e os livros. Espumas que flutuaram nas tuas leituras e boiaram até mim. E juntos, nos tornamos boêmios: pai e filha num mesmo verso. Paidéia. Sempre noturno, ao hino da densa garoa que faz fumar a lua e ladram de tédio vinte cães vadios.


Nasci de um poema. Não era a mais bela, mas era parto. Meu primeiro amor, pai-espelho. Tuas discórdias não eram por mim; eram pelo o que refletia. Mesmo menina de tudo, tinha a tua pele em mim e teus traços eram meus (numa ordem avessa).


Tive espinhas. E para cada uma, expurguei o que mais era você. Te odiava por tanto amá-lo. Na memória, tenho-me ao pé do sofá. E na memória, era noite também. Com teus sapatos e olhinhos puxados, tu me olhava. De cartas na mão, jogando-as, embaralhando a visão e tcharan! Uma moeda que tu tirava da orelha. Eu era o teu cofrinho, sempre com moedas a tirar de mim. E dizia: papai é mágico. Era com orgulho, mais do que a engenharia, papai era o meu mágico e disso me bastava o dia. Batia palmas numa alegria sem problemas; numa alegria genuína, animal de estimação que te olha o dono num suspiro que alivia.


Era hora de dormir. Tu não me banhava. Era mamãe. Mas tu era carinho. O meu e de mais 8. Um do céu; outros todo terra. Semente que não morre nunca. Sede que não seca.


Tu nasceu com a primavera, mas me herdou o que tenho de melhor: o outono no peito. Sou mulher feita e menina do papai. Caio como quem tomba os sonhos, mas amo o que aqui mora em mim. Amo meu coração que bate aqui. Sabe pele? É sentimento que fica debaixo dela e se mistura. Com sangue. E é de sangue que pulsa o coração; se sai, pára. se pára, não bate e morre. Torna-se você. Carne e osso. Amor é isso. Está em mim no Era uma vez dos anos que não pertencem mais. Sente apenas. E sinto você pra mim.


Tua matemática exata nunca me provou o pra sempre. Meu coração não me escuta nunca; te quer por roubo. Roubar você pra mim e te plantar aqui. Na sombra que me refresca. Na vida que tenho por diante. E são anos que te quero ao lado. Te quero avô. Te quero história: em ditadura singular que só tu conhece, te aguardo de perninhas pra cima e toddy na mão. Te aguardo na esperança de ouvir tudo de novo. Passado a limpo; apenas a tua tinta nele. E teu Getúlio e tuas polícias. Tuas histórias de amor: estado novo; quero-te ânsia do que te faz vida. Sem tiro ao coração; sem palácio do catete. Sem nada do que morra ao suicídio de tua bala.


Quando te lembro, me vejo. Diferente do que tu desenhou, do que esperava pra si. Não sou perfeita. E mamãe custa a me lembrar sempre. Mas tenho pés e mãos. Tenho cabeça e coração de titã. Sou tua criança que fala e anda. Sou tua criança que voou, mas não teme o ninho. A origem estrangeira. A falta de glossário.


Sou teu pesadelo mais lindo; de tatuagem ao que risca na promessa de que nunca se faz verbo. Sou a falta de doce de teus olhos e do tamanho de um botão pra me levar ao bolso. Sou tua menina de carne e osso. Mais carne do que osso. Uma história a continuar linda por entre os anos que nascem, crescem e morrem e sempre nascem na primavera mais linda. Com as flores do meu jardim-vida.


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É aqui que faleço, na busca por minha barriga. Me deito e é de mim que sinto falta.

domingo, 11 de abril de 2010

11/04

domingo de neve quente e esse desejo do que foi pra sempre.

é da janela que rasgo o peito
e não pontuo.

sincronicidades

e o tempo, em seu voraz desejo, olha de longe o que foi vida. e quieto, recorda o cheiro.. o leve e doce cheiro do que se faz retrato e não devora nunca.

ah! esses cheiros todos e uma vida inteirinha..

Miau

Eu amo de um jeito bicho, mansinho de gato. E de gato, me enrosco nas tuas pernas, te cuido felina e te sossego num dengo de amor só meu. ...