sábado, 27 de novembro de 2010

só de olhar para ele

"Ele não é mais o mesmo" e era esse o meu medo.


Quando cheguei na casa de praia, toda a vaidade do mundo já não era bem quista há algum tempo. Ele havia deixado de lado as golas esporte, dando espaço para o pijama velho - presente do Natal de 98. 
O dono da casa, agora, precisava de ajuda para ir ao banheiro. Era humilhante demais, repetia ele. E eu, na tentativa de amor, explicava que família era isso. Que amor era isso. E que isso, era o que mais tínhamos no bolso esquerdo. 


Passei a notá-lo.


Os ombros se tornaram tímidos, na tentativa de me olhar. As mãos trêmulas, antes escondidas do que poderia se chamar doença, esticavam os dedos em direção às minhas. Era quase uma alegoria, um rito de passagem. Todas as histórias mil que ele adorava contar quando sentávamos juntos na varanda, agora eram reclamações. O cachorro que latia alto, a tampa da panela perdida ou o cabelo da nova "presidenta". E eu, já na saudade por dentro, sorria de antemão o que já era de se esperar. E no final de tudo, caíamos na gargalhada. Minha mãe dizia: "tudo louco, tudo louco". 


Dessa vez, não foi diferente. Até a hora de ir embora. 


Ele me pediu segredo. Pediu que eu cuidasse dela. E se desculpou por toda a doença do mundo. Disse que queria ficar mais, mas a dor era inevitável. Doía até os ossos. E isso, ele não queria mais. 


Disse que entendia a "ânsia que os cristãos sentiram quando jogados aos leões". E ele, sequer cristão era. 


Num egoísmo só meu, pedi que ficasse mais.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

blue sky



Gosto do azul da tela. 
De quando o mundo está fora do ar. 
De quando estou sentada no sofá. 
E olho a respiração passar. 
Controle remoto no chão 
e a televisão fica assim: 
azul dos pés à cabeça. 
Sedução que conduz ao outro lado da rua. 
E não espera propaganda alguma tomar a ordem. 
Fora do ar 
e a cabeça pra fora. 
Não tenho medo da energia acabar 
ou o sangue escorrer de mim. 
Eu gosto do azul da tela.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Please, please me

Sou da poesia.
Do que se perde numa frase inteira.
Das entrelinhas.

Confesso preferência.
Mas hoje é dia atípico e me arrisco num protesto sujo.

Casa vazia.
Moro no centro
e tenho motivos boêmios.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

blank

o que quer você de mim 
que reflete o que de feio é secreto? 
e que de charme, 
 não me convence nadinha. é 
poesia em fase-nova? 

maturação essa que examina o cheiro 
e expoe a boca ao obsceno de teus pensamentos. 

o 3, esse sim, 
meu verde predileto 
no outono de teus dentes.

sorria, ma beibe. 
sorria, 

pq do salto sou só eu. 

e das unhas, 
ah! 
dessas eu me contenho em silêncio 
o que te devora a borda do peito.

Anatomia cardíaca

Na terra do coração passei o dia pensando - coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só com-cor, ação - repetido, invertido - ação, cor - sem sentido - couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava. Batia e rebatia, escondido no peito. Então fechei os olhos, viajei. E como quem gira um caleidoscópio, vi:

Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe.

Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham. Roídas de traça, amareladas de tempo, faces desfeitas, imóveis, cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisível. Este apertava os olhos quando sorria. Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra.

Meu coração é um mendigo mais faminto da rua mais miserável.Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água. Olhado assim, de cima, pode ser Wu Wang, a Inocência. Mas tão manchado que talvez seja Ming I, o Obscurecimento da Luz. Ou qualquer um, ou qualquer outro: indecifrável.

Meu coração não tem forma, apenas som. Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. Couro negro, prego e piano.

Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexos.

Meu coração é um traço seco. Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, gravado em fundo preto. Puro artifício, definitivo.

Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar. A brisa sopra, saiu a primeira estrela. Há moças na janela, rapazes pela praça, tules violetas sobre os montes onde o sol se p6os. A lua cheia brotou do mar. Os apaixonados suspiram. E se apaixonam ainda mais.

Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada.

Meu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplado por um único garçom. Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado. Rouco, louco.Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores. Quem dele provar, será feliz para sempre.

Meu coração é uma sala inglesa com paredes cobertas por papel de florzinhas miúdas. Lareira acesa, poltronas fundas, macias, quadros com gramados verdes e casas pacíficas cobertas de hera. Sobre a renda branca da toalha de mesa, o chá repousa em porcelana da China. No livro aberto ao lado, alguém sublinhou um verso de Sylvia Plath: "Im too pure for you or anyone". Não há ninguém nessa sala de janelas fechadas.

Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta categoria. A platéia joga pipoca na tela e vaia a história cheia de clichês.

Meu coração é um deserto nuclear varrido por ventos radiativos.

Meu coração é um cálice de cristal puríssimo transbordante de licor de strega. Flambado, dourado. Pode-se ter visões, anunciações, pressentimentos, ver rostos e paisagens dançando nessa chama azul de ouro.

Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins monstruosos que sempre acabam destruindo tudo.

Meu coração é uma planta carnívora morta de fome. Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos - ai de mim! ai, ai de mim!

Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Veja. Levam junto quem me ama, me levam junto também.Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro, papel crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso.

Acesa, aceso - vasto, vivo:

Caio Fernando Abreu

Ela e eu

e todo o sentimento do mundo.

a dança

que seduz, o que é de vidro.
o que é de vidro.

o que é

de vidro.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

baker baker

a respiração leve

de tão leve

faz da poesia
suspiros dos mais doces


e o padeiro
insiste em me convidar para dançar.

sábado, 13 de novembro de 2010

[Das tuas repetições, a minha não falha parar]

das minhas repetições, sangro em tuas histórias.


e é tão minha que da tua tinta faço poesia-vida. e não canso na rima que me força a rodopiar doida.
é por aí que vou solta. com pés de bailarina que não calam o retorno eterno de mim mesma.

e quando me faço fim, é só mais um começo que retoma o ventre.
e assim coleciono minhas mortes e todas elas.

num filme noir de rugas e salto em que o céu nasce torto e o destino ri à toa.


ah.. minha vida de vidro em espiral atômico.

Miau

Eu amo de um jeito bicho, mansinho de gato. E de gato, me enrosco nas tuas pernas, te cuido felina e te sossego num dengo de amor só meu. ...